sábado, 18 de março de 2023

Peixe fora d'água

Esse pessoal deve gostar de fazer hora extra, de falar livremente naquele ambiente onde quase todo mundo pensa como ele. Mas sempre chega a hora de ir para casa, passar na padaria, levar o filho na festinha da escola, conviver com gente do mesmo nível social e educacional. E é aí que começa o pesadelo.

Nas primeiras vezes ele foi sincero, mas o resultado foi tão ruim que, quando se trata de novos experiências, já aprendeu a se conter. Tinha um rapaz que escrevia no UOL (Matheus Pichonelli), que falava muito disso. Numa das vezes, ia visitar os pais no condomínio novo da praia já disposto a entrar mudo e sair calado.

O problema é onde já o conhecem. Ele chama o elevador do prédio e todos ficam repentinamente quietos quando a porta se abre. Na padaria, o senhor da registradora só fala de futebol. São poucos confrontos, em geral o pessoal disfarça. Mas ele sabe o que falam nas suas costas:

- É petista.

E ele nem é. Fez o L, é evidente, mas considera-se socialista moderado da linha x ou y e da tendência z. Eles, no entanto, não fazem distinção. Tratam qualquer um que esteja à esquerda como "petista" e usam a palavra como o aldeão medieval usaria "leproso". É um inferno.

Até no que fala em casa ele tem que pensar, pois o filho ainda não adolescente pode repetir na escola e ser incomodado lá também. Por isso o trabalho é uma libertação, uma chance que ele e os colegas têm de se vingar, de dizer tudo o que pensam sem que ninguém possa contestá-los.

E também uma missão, uma oportunidade de, talvez, converter um daqueles perdidos que se deixaram convencer pelo discurso da extrema ultradireita. Se bem que isso parece difícil, pois até entre eles há um ou dois que caíram nessa. Quer dizer, eles desconfiam, não têm certeza. Mas comentam, quando ele passa:

- É bolsonarista.

A pesquisa inédita mostra de forma evidente que os executivos do mercado financeiro se deixaram levar pela ideologia. O bolsonarismo contaminou sua visão do que está acontecendo no país, quando a visão objetiva é a mais eficiente para quem toma decisões em relação ao dinheiro dos outros.

O comentário em vermelho, da Leitão, foi a inspiração imediata para o texto acima. Claro que no caso dela, muito conhecida, é um pouco diferente. Porém, quem são seus vizinhos? Estão mais próximos dos "executivos do mercado financeiro" que ela chamou de idiotas ou dos lacradores da Globo? Depois ela reclama de não poder sair à rua.

E Tia Reinalda, que fez um comentário praticamente idêntico ao da colega. Terá mudado de prédio depois da súbita conversão? Se não mudou, como será que a figura encara aquele vizinho que a saudava animadamente, perguntando pelos petralhas e o Apedeuta? No seu caso não dizem "é petista". Dizem outra coisa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário