domingo, 4 de dezembro de 2022

Os selvagens atacam

No tempo dos cursos de datilografia, quando não havia shopping center nem internet, uma das diversões da garotada nas tardes de domingo eram as matinês em que os cinemas ofereciam uma sequência de dois ou três filmes baratos, um dos quais, quase inevitavelmente, um western com a cena clássica.

As pacíficas famílias de pioneiros viajavam em seus carroções para o Oeste. De repente, índios pintados para a guerra os atacavam para retirar seus escalpos. Os colonos formavam um círculo para se defender. Mas nada parecia conter o ânimo dos bárbaros, muitas vezes alucinados pela bebida fornecida por quadrilhas de mexicanos.

Então, quando tudo parecia perdido, se ouvia o toque de clarim que anunciava a chegada da cavalaria e a criançada passava a bater os pés do chão do cinema, antevendo as esperadas cenas em que os soldados matariam os malvados como moscas. Às vezes o tenente estava de olho na filha do líder da caravana e havia até the end com beijo.

Não durou muito. Logo depois começaram a aparecer os filmes-cabeça em que os índios eram pessoas bacanas que queriam continuar vivendo dignamente e os brancos não passavam de gananciosos invasores. Só os bandidos que não faziam a barba e não tomavam banho continuaram a ser mexicanos.

Isso lá entre os americanos, por aqui os índios já tinham se tornado gente boa. Quase ninguém mais os chamava de bugres e lembrava que eles costumavam almoçar prisioneiros ou, ainda nos primórdios do século passado, flechar os operários que colocavam os trilhos do que seus colegas de Hollywood conheciam como "cavalo de ferro".

Está certo que eles precisavam de assistência médica, cesta básica e outras coisinhas modernas. Mas, exceto por isso, nossos índios só queriam viver em paz em suas reservas maiores que muitos países (que nós lhes devíamos porque toda a terra era deles), caçando e pescando junto à natureza.

E assim seria para sempre... se Bolsonaro não tivesse aparecido. Como a aguardente barata dos mexicanos, o monstro virou a cabeça de nossos bons selvagens. Agora, segundo anuncia o UOL, o Brasil já tem "indígenas bolsonaristas", gente do mal que se dedica a atacar a caravana da democracia com "atos golpistas".

Sob a influência do anhangá, ficaram gananciosos. Não querem mais reclamar que suas terras foram invadidas por garimpeiros ilegais, mas arrendá-las para mineradoras legais em troca de um percentual. Querem que parte de seus latifúndios seja usado pelo agronegócio para ganhar mais algum.

Eles não gostam da Greta, não amam quem os ama, acham que o ladrão irregularmente descondenado continua sendo ladrão, não acreditam na imprensa profissional e no aquecimento global, o fascismo os dominou. Alguns só não deixam crescer o bigodinho hitlerista porque sua barba é muito rala.

Mas uma coisa Bolsonaro não conseguiu. Nas tribos que não gostam dele todo mundo seguiu a ordem do cacique e votou no molusco. Nas que gostam deveriam votar ao contrário, mas em nenhuma delas ele venceu unanimemente.

Será que as tribos bolsonaristas têm outros hábitos? Ou seus caciques sacanas mandaram ser assim de propósito, para dizerem que aquelas votações maciças no nine foram forjadas e a eleição foi fraudada? Com aqueles índios ingênuos do passado isso seria impossível, mas agora que eles viraram golpistas tudo pode acontecer.

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