quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Michelle e o pânico moral

Um tal Carlos Madeiro conta, no UOL, que uma tal Casa Galileia, organização que se pretende cristã, monitora as redes sociais do setor e classifica posts e interações como de "extrema-direita", "centro" e "democrático" (esquerda). Por aí já se vê quem banca essa gente, mas vamos ao que os está apavorando.

Segundo essa turma, as redes da direita inserem questões políticas com viés antiesquerda em meio a pregações e mensagens bíblicas. E elas sempre foram mais numerosas (ganham de 2x1 do centro e de 10x1 da canhota), mas suas interações passaram a se multiplicar de dias para cá, quando alguém novo entrou no jogo.

Esse crescimento ocorre no momento em que Michelle Bolsonaro passou a fazer vídeos, falas e aparições direcionadas aos evangélicos. Entre os posts com mais interação em agosto está um vídeo do pastor Elizeu Rodrigues. Sem citar Bolsonaro ou política, ele se dirige aos jovens reclamando de "militância gay", "partidos comunistas" e "feministas". No dia seguinte, num culto, Michelle disse que a cadeira onde Bolsonaro senta pertence ao "presidente maior" e a fala foi destaque em muitos perfis. Naquela semana, por exemplo, a foto do casal Bolsonaro alcançou o maior engajamento na página do Facebook do músico André Valadão — um dos perfis mais seguidos pelo público gospel.

Foi exatamente a partir daí que as interações nas redes da extrema-direita começaram a ganhar interações. A alta foi de 75% entre o final de julho e o início de agosto. Michelle intensificou suas participações, sempre focada na chamada "guerra espiritual", como chamou no último dia 23, ao pregar a união contra a "ameaça do comunismo".

Os galileianos consideram que esse incremento é parte de uma estratégia de "pânico moral", que já é utilizada há vários anos, em nível mundial e através das redes sociais, para colocar a esquerda como comunista, defensora do aborto e das drogas e inimiga da família e das liberdades, inclusive a religiosa. Claro que tudo isso só funciona porque se ancora nos fatos, mas eles, como bons esquerdistas, deixam esse detalhe de lado para focar nos mecanismos utilizados.

Não é algo aleatório, é estratégico. Há dez anos, não havia portal de notícias evangélicas. Hoje você tem uns 20 portais de notícias. Isso tem a ver com a ideia de retroalimentar esse campo da indústria cultural gospel, de produtos variados. Há um investimento, e esses conteúdos vão chegar ao público pelo WhatsApp.

Ajudaria censurar o zap? Neste caso, não. Ficaria até pior, pois só reforçaria o discurso de que a esquerda persegue a religião e existem as redes pessoais, baseadas nos contatos dos fieis durante os cultos e principalmente nos pastores.

É comum ver pastores se desculpando ao falar de política, mas eles nunca abrem mão de misturar o momento com contextos bíblicos e se posicionar politicamente no meio do culto. Eles aproveitam pregações de cunho moral e espiritual para citar o risco de a esquerda voltar ao poder ou pedir oração pelo presidente, por exemplo.

Alguns esquerdistas achavam que esses temas se tornariam secundários. Mas os galileianos sabiam que não era assim e sabem que a primeira-dama não está sozinha e não começou a se envolver abertamente com eles agora por acaso.

No início do ano, quando se falava das eleições, se dizia que não ia ser uma campanha de pautas morais, seus temas seriam a economia, a fome. Mas, olhando para o monitoramento nas redes, a gente via que os temas morais nunca saíram de pauta. Quando Michele aparece agora, só faz massificar. Ela não traz fala nova, tudo ali é pauta de pregação diária que vem acontecendo nessas páginas há muito tempo.

Concluindo

O resto do artigo é a costumeira choradeira de quem gostaria de compatibilizar a religião com a esquerda ou isolá-la da política para reduzir o mundo aos problemas econômicos e voltar ao besteirol da luta de classes. Para concluir, algumas rápidas observações:

Os evangélicos logo serão a maioria da população. Seu viés antiesquerda é antigo e os pastores romperam com o PT quando este ainda era governo. Se o golpe for completado e o petismo voltar é claro que existirão acertos pontuais, mas seus líderes não podem mais girar a chave e dizer que agora a esquerda é bacana. Não só não podem, não precisam, pois acabarão por retomar o poder com aliados de verdade.

A direita que continuar agora ou voltar depois será a ligada a esse movimento de índole conservadora. Uma direita tecnocrática, de terninho do Novo e meme do MBL, não conseguirá mais que eleger alguns deputados ou ganhar governos locais.

Michelle, na foto acima em pose de "mãe do povo" de revista bolsonarista, é um enorme ativo eleitoral. Como um de seus fãs de primeira hora, fico satisfeito ao constatar que a sua entrada no jogo já estava programada.

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