sexta-feira, 12 de agosto de 2022

A gente não quer só comida

Desculpem repetir, mas os hindus não votam nos muçulmanos e vice-versa. Num país culturalmente dividido, não vale o "é a economia, estúpido". E mesmo nos mais homogêneos nunca valeu tanto assim, pois sempre existiram as paixões pessoais e os que defendem um partido ou linha política em qualquer circunstância.

Até os que menosprezam a influência extraeconômica a comprovam. Tempos atrás, muitos vendiam seu ódio a Bolsonaro como crítica racional à condução da pandemia. Depois esqueceram-na para atribuir as dificuldades econômicas que ela trouxe ao presidente. Agora, com seu sucesso nesse setor, quase confessam apenas odiar.

Porém, fieis à teoria, os esquerdistas acreditam que até as emoções dependem da condição econômica e que os mais pobres, preocupados apenas em encher o bucho e incapazes de comparar o Brasil com o mundo nas duas épocas, acabarão concluindo que viviam melhor na da roubalheira petista.

Obviamente, o eleitor mais simples pode ser levado a negar a superioridade do atual governo sobre o lulopetista. Mas, para votar em um ex-detento depravado em vários aspectos, ele precisaria antes de tudo não se preocupar com questão morais, com "valores". E há motivos para pensar o contrário.

Não acredite em mim, veja o que diz o sociólogo esquerdista Juliano Spyer, aquele que foi morar em uma favela durante um ano para descobrir o que qualquer um de nós poderia ter lhe contado em minutos. Em recente artigo intitulado O antipetismo pentecostal, ele cita um colega ao escrever:

(...) os eleitores pentecostais que rejeitam o PT têm outro perfil em relação ao antipetista "original", descrito como sendo branco, mais escolarizado, masculino e defensor de pautas anticorrupção (...) esse novo antipetismo é ao mesmo tempo pobre e vota contra aqueles que defendem políticas de redistribuição de renda como o Bolsa Família. (...) a grande rejeição ao PT é consequência do conservadorismo moral em relação a temas como homoafetividade, aborto e legalização das drogas. O eleitor pentecostal também consome mais informações nos ambientes da igreja e, por isso, confia cinco vezes mais em suas lideranças do que protestantes tradicionais ou católicos. Mesmo quando a economia vai mal, esse grupo crescente de brasileiros vota a partir da dimensão moral.

Juliano então conta manter contato frequente com uma amiga do tempo de favela. Preta, pouco escolarizada, faxineira, ela pertence à Assembleia de Deus e votava no PT, mas foi de Bolsonaro em 2018 e irá agora. Recentemente, ela lhe enviou alguns dos vários vídeos curtos que recebe pelo zap de outros evangélicos e os comentou. Três deles têm como foco mulheres que, em um ambiente festivo de protesto, mostram seus corpos e cantam refrões como: "Chupo **** e se me der eu chupo até a do capeta". E: "Direito ao nosso corpo, legalizar o aborto". E ainda: "Sou maconheira, sou feminista". Estão em ambientes abertos com bandeiras vermelhas de partidos de esquerda e faixas dizendo "Fora Bolsonaro". Nos áudios, essa amiga me pergunta: "como essas pessoas acham que podem nos representar? Esses vídeos não são montagens. Elas dizem ‘Fora Bolsonaro’, que Bolsonaro é sujo, é terrível, mas olha o tipo de liberdade que elas defendem! Olha o tipo de pessoas que representam a esquerda". Depois Juliano choraminga que é errado tomar a parte (progressistas) pelo todo (esquerda), pois ser de esquerda teria menos a ver com debates morais que com "a pauta da redução da pobreza". Reclama até das lideranças das igrejas "que circulam conteúdo falso apresentando a esquerda como sendo sinônimo de progressista".

Sei Juliano, você quer brigar e bater, mas quer que o adversário seja um tucano educadinho que nunca vai esmurrar a parte que lhe dói. Não tem jeito, amigo, até porque sua "pauta" é só conversa fiada enquanto a agenda das chupadoras vocês implementam com tudo aonde quer que ponham as patas.

Tem outra coisa que o Juliano diz que a gente comenta outra hora. O objetivo aqui era frisar o poder da motivação extraeconômica. Até os mais pobres podem ter elevados valores morais. Quem não os têm são os bem informados que, por ação ou omissão, se prestam a auxiliar um pilantra que estava até ontem na cadeia e deveria voltar para lá.

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