Sem que tenha chamado muita atenção, dias atrás o Painel da Folha entrevistou João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST, que foi apresentado como alguém muito próximo do ex-presidiário que virou candidato e responsável pela "mobilização popular" da sua campanha.
Boa parte da conversa girou em torno do universo cultural "sertanejo" e do apoio político do "agro", amplamente bolsonarista. E é interessante ver que o João Paulo reconhece que isso engloba, como muitos de nós temos repetido, todos os que vivem nesse meio, não apenas os grandes produtores rurais:
O sertanejo está muito atrelado a uma política de hegemonia cultural. Eles têm os produtos, o agro, a música, os deputados e todo um jeito de lidar com a população. Foi um projeto pensado. Você não pode falar mal do agro para uma empregada doméstica no interior do país. Ela diz que é agro, porque come do agro, que os amigos trabalham no agro de peão, que ouve as músicas do agro nas grandes feiras agropecuárias. Tudo isso que deu na estética do agro.
Naturalmente, a situação é problemática para quem vive de criar guerras de classe ou coisa parecida. Vejam o que mais diz o João Paulo:
O Bolsonaro se apossou dessa política de maneira oportunista. O Bolsonaro é um 'milico' do litoral, não tem nada a ver com terra. O Bolsonaro foi com o objetivo de ganhar dinheiro, e o agro, com o objetivo de ter arma e dinheiro. Dois grupos oportunistas que se juntaram (...)
Nós precisamos, no próximo período, trazer uma parte do sertanejo para a esquerda. Isso faz falta (...) foi migrando da música caipira até chegar no que tem hoje, que é o que tem de mais conservador, uma nova geração que não quer saber de nada, só de ganhar dinheiro. E o Bolsonaro dando ideologia para eles, o que é grave. A esquerda precisa olhar para isso.
Volta, Zezé Di Camargo e Luciano, a fazer campanha com a gente. Precisamos ter figuras como essas. Precisamos identificar como lidar com isso. O que não podemos é jogar todos para o lado de lá. Aí é erro. Temos que dividi-los. Temos que ter o agro dos alimentos com a gente. Deixar com eles só os sertanejos dos improdutivos. Eles pegaram todo o sertanejo. Temos que trazer para cá.
Notem os termos: "a esquerda precisa", "temos que dividi-los" e coisas do tipo. São ações a tomar, desejos, intenções, uma nova versão do "precisamos falar com os evangélicos". E isso a três meses das eleições. Dá para reverter algo que foi construído organicamente (hehe) durante décadas em tão pouco tempo? Não sei como. Nem eles, pois se soubessem já teriam dado um jeito no problema.
Agora, um dado: 12% dos eleitores brasileiros trabalham no agronegócio.
Não estamos falando da empregada doméstica, mas do funcionário do frigorífico. Se cada um tiver na média mais um familiar que depende ou se sente próximo desse setor, chegamos a um quarto do eleitorado. O número aumenta se você incluir quem vive nas cidades onde tudo depende do agro. E mais ainda se considerar a citada influência cultural.
O petismo precisa falar com os sertanejos, que são esse mundão todo. E com os evangélicos, que, sertanejos ou não, constituem um terço do eleitorado. Mas está nadando de braçada nas pesquisas. Vá entender.
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