segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

É gado

Como o termo "vacina" é derivado de "vaca" e tanto bovinos como humanos se vacinam em grande quantidade, no princípio parece tudo igual. O dono da fazenda ordena a vacinação e o gado se deixa conduzir docilmente para a fila da agulhada. O humano tem um filhinho e o leva para tomar as vacinas que todos conhecemos.

Somos iguais, pensa o gado ruminando seu capim. Contudo, não foi sempre assim. Para se ter uma ideia, a vacina contra a varíola chegou ao Brasil em 1804 e a revolta contra seu uso obrigatório é de 1904. Depois de um século, muitos ainda a temiam. E a situação só foi resolvida quando a obrigatoriedade foi revogada e as pessoas convencidas, com argumentos e fatos, das vantagens da vacinação.

Desde então parece que os humanos se deixam vacinar como gado, mas na verdade eles continuam agindo como seres pensantes. Assim, quando surge uma nova vacina o gado já corre para a fila. Mas o humano sabe que cada vacina é diferente e algumas, como a francesa contra a dengue, trouxeram mais problemas que soluções.

E aí não adianta dizer que os órgãos competentes a aprovaram porque remédios como a Talidomida, que depois se revelaram terríveis, também foram aprovados em seu tempo. Quando se trata de algo muito recente as pessoas confiam nesses órgãos desconfiando, pois sabem que enganos (e malandragens) acontecem.

O ser humano pensa por si, não age porque o fazendeiro mandou. O gado não entende isso. Para ele, vacina é bom e todas são iguais. Existem humanos do bem, que decidiram acreditar na nova vacina, e do mal, que só merecem um "muuu, negacionista".

Piora

Calcule então quando a coisa se sofistica um pouquinho. Por exemplo, o humano desconfia de algumas das novas vacinas mais que de outras. Ou continua a criticar as incoerências dos seus defensores, mas considera que, mesmo assim, elas podem ajudá-lo e decide tomá-las. É um contrassenso chamar quem toma vacina de antivax ou negacionista. Mas o gado chama, não lhe interessa se isso faz sentido ou não.

Piora mais

E ainda existe a situação do responsável por comprar vacina para toda a sociedade. Suponha que ele não só compra vacinas em enorme quantidade (como o gado gosta), como entra no consórcio para a sua fabricação logo no início (quando o gado nem falava disso) e providencia para que seu país passe a fabricá-las mais tarde (como o gado nem imaginava).

Mas suponha também que o responsável critica as novas vacinas e decide pessoalmente não tomá-las. Para você, como ser humano, isso torna a atitude do sujeito ainda mais louvável. Ele não acredita nas vacinas, mas as providencia da mesma forma, deixando-o totalmente livre para escolher o que lhe parecer melhor. Isso é respeito de verdade, democracia de verdade.

O gado, entretanto, se confunde. Para ele, o responsável é um fazendeiro malvado antivax que quer matar todo mundo. Se você menciona o tanto de vacina que ele comprou, o gado só consegue mugir que ele comprou sem querer. Se você lembra que ele entrou no consórcio antes e mandou fabricar depois o gado se afasta, ruminado contrariado por não ter uma resposta e repetindo: "muuu, negacionista".

Mas ele não age assim por maldade. É que a liberdade o assusta e a baixa capacidade de raciocínio não lhe permite imaginar que os outros sejam diferentes. Ele não é malvado. É gado.


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