sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

David é bem melhor

Vamos falar sobre Olavo de Carvalho antes que ele seja finalmente esquecido. Embora não tivesse obra, ele tinha fama. Começo enunciando uma mea culpa, que talvez venha a ser partilhada por colegas professoras (es) de filosofia: errei ao não dar o devido valor ao personagem.

Eis aí as palavras do garoto que morria de medo de apanhar ao saber que o fortão que o apavorava se foi. Agora ele sai de casa e finge lamentar, cheio de marra, que nem sabia que o outro morava ali perto, pois se soubesse já teria lhe dado uma lição.

No caso é uma garota, a "filósofa" Marcia Tiburi, uma daquelas que toma uma surra de qualquer estagiário de programação em termos de lógica básica. Aliviada agora que Olavo não pode mais lhe responder, ela quer reunir os coleguinhas de tosquice para inserir o filósofo numa historinha em que eles são os mocinhos e ele o bandido, ela "tem obra" e ele não. Chega a ser infantil.

Mas ela não está sozinha. Ontem, o sobrinho da tia nos apresentou aquele que parece ser seu novo ídolo, um tal de Christian Lynch, que soltou o seguinte tuíte:

A força de Olavo reside no fato de ter fornecido a milhares de jovens ressentidos e carentes de figura paterna uma identidade baseada na ilusão de superioridade intelectual e moral, calcada em técnicas de argumentação por blefe e inversão do ônus do conhecimento ao adversário.

Sem entrar no mérito das afirmações, indago apenas: será que a inferioridade intelectual e moral da turminha do Christian era assim tão ilusória? Se não era, por que ele, agora tão valente quanto a Kulaico, não chamou o Olavão para a briga antes? Escrevesse um artigo, o outro lhe responderia, ele usaria a própria resposta para apontar os blefes de Olavo, este retrucaria... e assim eles estenderiam a discussão.

Mas o pensador não parou nisso. Também ontem, fomos brindados com uma segunda amostra de sua sabedoria. Esta dizia:

Quando se diz que Bolsonaro é popular, convém anotar em que estrato social. Não é o "povão", ocupado com coisas que ele despreza como fome, saúde ou educação. Esse é lulista. O público de Bolsonaro é sobretudo a classe média baixa, antigamente chamada "pequena burguesia". É uma gente acima das carências urgentes do cotidiano, mas ressentida com sua condição social frente aos superiores e que descrê da possibilidade de ascender: militares de baixa patente, motoristas de táxi, pequenos comerciantes, caminhoneiros, etc. Gente desse estrato, que estava habituada a compensar esse ressentimento descarregando suas frustrações nos mais pobres que eles, se regozijando por ser branco, hétero, religioso. E que perdeu esse prazer com a ascensão da nova esquerda. Público clássico do fascismo, como se sabe. Será preciso trabalhar o ressentimento desse pessoal, dar-lhes outras possibilidades, se o objetivo for sair do buraco onde nos metemos e conseguir um pouco de sossego nos próximos anos. Não adiantará botar o dedo na cara deles e fazer preleção. Só realimentarão o voto fascista.

Daria para escrever um pequeno livro sobre esse texto, tantas são as maneiras de abordá-lo. Por exemplo, como será que Chris imagina que eles, condutores do mundo, conseguiriam "trabalhar o ressentimento desse pessoal"? Aulas compulsórias com a Tiburi? Campos de reeducação? Você percebe que não há substância alguma sob o slogan.

Outra opção: quem disse que Bolsonaro despreza coisas como fome, saúde e educação? Foi ele quem quis fechar tudo e ver depois, sem pensar no que isso causaria aos mais pobres? Quem disse que Lula se preocupa com as mesmas coisas? Se o fizesse, teria desviado tantos bilhões? Teria nos feito regredir como regredimos na educação?

E o ressentimento? Quem não conhece o herdeiro que ganha uma mesada de milhões para não fazer nada, mas se ressente porque o irmão foi escolhido para dirigir a empresa? Desde quando esse sentimento é apanágio de um setor da sociedade? Os rancores, mas também as expectativas e os valores, estão espalhados e misturados por todos os lados.

Entretanto, prisioneiro daquele padrão boboca da esquerda, o Christian tenta derivar tudo da situação econômica. E aí ele chega a uma formulação que é até divertida se você for analisar.

Sua regra começa pelo mediano que se ressente com quem está acima e humilha quem está abaixo. Só que este se ressentirá com ele e sempre achará alguém pior para sacanear. E este encontrará um quarto, e o quarto um quinto... numa vertigem em que o ressentimento se torna cada vez maior. De repente, porém, chega-se a um ponto em que o camarada que está no auge do ressentimento se torna um pobre conformado, feliz, sem ressentimento algum.

Também dá para ver pelo outro lado. O sujeito era pobre de doer, mas estava de boa, sem saber o que era ressentimento. Melhorou um pouquinho de vida e continuou assim. Melhorou mais, sempre sendo bacana. Mas aí, quando está melhor do que nunca, ele passa a ocupar a base da pirâmide do parágrafo anterior e não só se torna ressentido, mas mais ressentido que todos os que já estavam lá.

Eu não usei o "derivar" acima por acaso. Trata-se aqui de algo que pode ser inicialmente descrito como uma derivada em que você vai se aproximando do limite. A diferença é que há um momento em que você o atinge e cai num universo paralelo, regido por leis opostas. Como se define esse ponto, o que acontece ali? Tenho certeza que o meu professor de cálculo iria adorar a explicação.

Para concluir, é interessante como nossa mente cria caminhos entre os fatos. Minha "versão oficial" é eu tinha lembrado do citado professor, dias atrás, pelo que ele disse dos filósofos. Só depois percebi que podia haver mais aí, pois o cara às vezes tinha um jeitão debochado que parecia o do Olavo quanto entrava nessa vibe. E ainda segurava o cigarro como ele, com a mão em concha na frente do rosto.

Quanto ao Lynch, ainda bem que tem o David para salvar a família.

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