quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Metrô até demais

Não fomos os únicos a tomar calote. Como o fim do El País Brasil, o jornal passou a usar o antigo site para mostrar uma espécie de edição regional. E ali há uma colunista, Florantonia Singer, que só fala da Venezuela e nos conta como anda (muitas vezes não anda) o metrô de Caracas. O resumo do seu artigo está abaixo.

A fumaça começou a entrar no vagão com ar condicionado no meio da tarde. O trem estava quase chegando à estação, chiando contra os trilhos e faiscando. Parecia uma explosão e parecia uma tragédia. Os botões de alarme para solicitar a abertura das portas foram pressionados desesperadamente pelos passageiros. Alguns choraram em pânico, enquanto outros bateram nas janelas e portas do trem para sair. Entre vidros quebrados, uma nova debandada começou no metrô de Caracas.

Essa é a história que as redes sociais pegaram de uma das recorrentes panes no sistema de transporte ocorridas na estação Los Dos Caminos no dia 14 de outubro, semelhantes a outras 14 que foram registradas neste ano.

Há uma década o Governo venezuelano contratou uma custosa reabilitação com um consórcio de empresas espanholas, que este ano o acusa pela violação de um contrato de modernização da Linha 1 de Caracas Metro, o mais longo da cidade. Agora a Espanha vai reclamar uma dívida de 138 milhões de euros da Venezuela. Em 2008, o Governo de Hugo Chávez — com Diosdado Cabello como Ministro da Infraestrutura — assinou um contrato de um bilhão e meio de euros para modernizar o metrô. Mas tudo acabou em corrupção e pouca coisa foi feita na prática. Como resume um técnico: "Desde o início não houve uma boa gestão do projeto e da mudança de tecnologia, porque eram tomadas decisões políticas e não técnicas. Os horários de trabalho noturno, por exemplo, não eram cumpridos e, com isso, a duração das obras foi estendida para meses. Isso também prejudicou a relação com os espanhóis." Além da falta de peças de reposição, o sistema de comunicação entre os trens e a ferrovia também ficou para trás, embora seja fundamental. Os vagões modernos são conduzidos manualmente em vez de automaticamente, limitando a velocidade de direção para evitar colisões às custas dos enormes atrasos para os usuários nas plataformas. O metrô vive agora um de seus piores momentos com constantes avarias, descarrilamentos, deterioração de vagões sem uso há dez anos, insegurança e sujeira nas estações, plataformas e trens.

A linha reabilitada é a de maior demanda e, antes da pandemia, podia receber mais de um milhão de passageiros por dia. Com uma tarifa subsidiada — quase gratuita — é a opção dos mais pobres de Caracas que não podem pagar os cerca de 25 centavos de dólar que uma viagem nos escassos ônibus de Caracas pode custar. O Metrô de Caracas vem perdendo pessoal qualificado como parte da migração decorrente da prolongada crise humanitária no país. Em situações de emergência o maquinista pode ficar sozinho com a multidão na hora de administrar a evacuação do trem, pois não há pessoal suficiente, obrigando também ao fechamento de setores das estações. O Governo venezuelano ainda não respondeu à reclamação espanhola sobre o fracasso da modernização do Metrô, que, mais que melhorias, trouxe avarias constantes, atrasos infinitos e mais dívidas a um país quase falido. O assunto será um dos que entrará no campo diplomático, que voltou a pegar fogo depois que Madrid disse que as recentes eleições regionais não foram "suficientemente democráticas" e, em resposta, Caracas acusou-a de estar "dobrada aos interesses de Washington. " Nicolás Maduro ofereceu este ano 15 milhões de euros para reativar as frentes de obras das extensões do metrô às cidades periféricas, paralisadas durante anos após o escândalo de corrupção da Odebrecht brasileira.

E no início de dezembro, o líder chavista que, em sua juventude, foi sindicalista no Metrô de Caracas, ordenou a recuperação de todo o sistema de transporte subterrâneo da capital. "Vamos fazer um plano: o Metro entra e o Metro sai", disse ele à televisão, tentando fazer uma piada de mão dupla.

Não entendi a piada, mas não deve ter graça mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário