segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Lobo guerreiro

Inspirada nos filmes de artes marciais chineses, a expressão "diplomacia do lobo guerreiro" foi cunhada por observadores estrangeiros para descrever a postura crescentemente agressivas da China nas questões internacionais. Mas essa atitude mais yang também está sendo literalmente estimulada entre a sua população.

Muitas vezes apresentada como uma necessária reação chinesa às más influências ocidentais (o que não deixa de ser), a campanha do governo chinês contra a "feminização" masculina vai direto ao assunto, recomendando ações e utilizando palavras que fariam um de nossos politicamente corretos pedir seus sais.

Em setembro último, por exemplo, o regulador de radiodifusão da China determinou que as emissoras devem "pôr fim aos homens afeminados e outras estéticas anormais". Em um de seus trechos, o comunicado oficial chega a se referir aos "niangpao", termo que pode ser livremente traduzido por "bichinha".

Meses antes, no início do ano, as escolas chinesas foram aconselhadas a recrutar atletas aposentados e tomar outras medidas para reformar os cursos de educação física com vistas a "cultivar a masculinidade do aluno". Título do documento: Proposta para Prevenir a Feminização do Sexo Masculino.

Que horror! Que ataque à diversidade! Um absurdo! Um estímulo estatal ao bullying nas escolas! Que retrocesso! Logo surgiram as críticas... Todas solenemente ignoradas pelo governo chinês. E todas vindas do Ocidente.

Imersos na bolha ocidental, nós muitas vezes esquecemos como é pequeno esse mundinho em que o inicialmente nobre propósito de respeitar as escolhas individuais acabou se transformando na obrigação de chamar um marmanjo de "mulher trans" e na imposição de outras "estéticas anormais".

Ele não vai muito além de algumas das antigas colônias europeias e da própria Europa. E nem abrange toda esta. Na Rússia já não é assim. Em outros países do Leste Europeu também não. Nos hoje governadores pelo que a mídia chama de "extrema direita" há esforços similares ao chinês.

A bolha também é limitada no espaço. Foi praticamente no século 20 que Oscar Wilde morreu em desgraça após ser condenado por "gross indecency". Muito depois a situação ainda se parecia mais com essa do que com a de agora. O tempo nos parece longo porque coincide com nossas vidas, mas é tudo recente, de décadas para cá.

É inevitável lembrar daqueles reinos que ocupam dois parágrafos no livro de história. O povo rude desce das montanhas e em dois séculos se torna próspero e poderoso, dominando a região por mais três. A cultura floresce. A população se sofistica, mas se torna cada vez mais ocupada com bobagens, mais mole. Certa noite, após a orgia em que todos se embriagam, os bárbaros escalam as muralhas e destroem a cidade.

A má notícia é que nós estamos dentro dela. Os lobos guerreiros estão lá fora.  

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