sábado, 26 de abril de 2025

Fazendo oncinha

Um bom exemplo de mudança cultural. Uma onça atacou um caseiro de 60 anos, matou o sujeito e devorou partes do seu corpo. E o jornalismo brasileiro está muito preocupado... com o destino da onça, atualmente se recuperando de brigas recentes sob os cuidados de veterinários.

Coitadinha, foi muito ferida por outro membro da espécie. Pobrezinha, está não sei quantos quilos abaixo do peso normal. Protegê-la para sempre ou devolvê-la à natureza, o que fazer? E dê-lhe foto da onça deitada numa maca com faixa na cabeça. Qualquer dia a chamarão de Gaga ou outro apelido fofo qualquer.

Já o caseiro é o caseiro, não tem nome, família nem nada que interesse aos jornalistes. Ele tem culpa por pertencer à espécie que está acabando com o habitat das onças, atenuada apenas por ser empregado e não dono do pesqueiro - um comentarista escreveu que tudo se tratou de uma luta entre dois explorados.

Pois é, o pessoal que gosta de mandar os outros estudarem história não sabe que esse país era quase uma selva cerca de um século atrás, quando surgiu a piada que deu origem ao termo "amigo da onça". Naquela época, com habitat de sobra, as onças já atacavam pescadores e humanos em geral.

Naquela época os humanos matavam as onças quando podiam e tudo ficava bem. Esses tempos, como comentamos aqui, filmaram uma moça fazendo a mesma coisa e a imprensa e o Ibama moveram céus e terras para identificá-la e penalizá-la. Se tivesse despachado o bicho, o caseiro estaria sendo crucificado também.

Nos velhos tempos era feio e gerava piada, hoje é bonito e levado a sério. Antes você podia arrumar uma briga se chamasse alguém de amigo da onça, hoje lhe agradeceriam o elogio. Nossos jornais se tornaram verdadeiros - e orgulhosos - amigos da onça. 

E o cravo, ó pá?

Foi ontem, mas quase não foi lembrado, o aniversário da Revolução dos Cravos. Mesmo no ano passado, quando ela completou 50 anos redondos, a comemoração foi contida. Chico Buarque não cantou musiquinha chata, não teve artigão de testemunhas oculares lembrando a alegria do povo nas ruas, nada de nada.

Pode ser só o tempo decorrido, mas na minha modesta opinião o problema é que o pessoal se tocou que pensava festejar uma vitória da esquerda contra a direita, mas na verdade estava comemorando uma revolta militar limitada, destinada apenas a acabar com uma ditadura e colocar o país na rota da democracia.

Não percebeste, ó gajo, que era exatamente isso que aquelas tias bolsonaristas pediam em seus cartazes? Como tu podes dizer que algo assim seria impossível? Como podes sustentar que essa intervenção seria um malefício aqui quando a elogias ali?

Os amigos da onça perceberam. E acharam melhor não falar muito no assunto.


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