domingo, 5 de janeiro de 2025

E ainda se acham perfeitos

Conforme pesquisa de outubro último, 31% dos americanos ainda têm uma confiança grande ou razoável na imprensa como um todo. A média é puxada para cima pelos eleitores democratas (50%) e para baixo pelos republicanos (12%), mas deve continuar diminuindo como um todo, pois esses números eram 80% e 20% em 2018.

Pois é, até a esquerda os militantes de redação estão perdendo. Acho que acontece com eles o mesmo que  conosco em relação a influenciadores de direita: você pode gostar de ouvir um comentário com um viés com o qual simpatiza, mas se o sujeito é muito exagerado você acaba por deixá-lo de lado. 

Mas eu tirei os números acima de um artigo publicado no Ex-tadão pelo petista Eugênio Bucci, que adota uma linha muito curiosa. Normalmente, se o seu cliente começa a abandoná-lo, você se pergunta o que está fazendo de errado. Bucci, ao contrário, decide ofender o cliente insatisfeito.

E por favor não diga que o cliente dele não é o leitor, o cidadão normal. Pode ser que o dinheiro dele venha de outro lado, mas a fonte só continuará jorrando se ele ele se mostrar capaz de vender seu peixe para a patuleia. Quem se disporia a comprar uma imprensa que não consegue influenciar ninguém? 

Irritado com a situação, o militante dispara:

No Brasil, a paisagem é quase idêntica. As facções que cerraram fileiras com o bolsonarismo abominam os repórteres e seus periódicos. Seus porta-vozes elogiam torturadores, execram a ciência, caluniam a universidade, hostilizam as artes, insultam a justiça e, last but not least, ofendem sistematicamente os jornalistas - e as jornalistas, de preferência.

Daria para comentar cada uma das características que ele atribui à direita e mostrar o que realmente acontece em cada caso. Mas o verdadeiramente interessante é ver como um sujeito que escancara sua parcialidade dessa forma não consegue entender por que essa parcela do público deixou de levá-lo a sério. Autocrítica, zero.

Eu já tinha lido outros artigos do sujeito, em geral empolados e tentando parecer imparciais. Agora ele deve ter percebido que a sua turma já não tem como recuperar a credibilidade do passado e soltou o que estava preso em seu peito: já qui ocêis não me respeita, vô falá o qui eu penso mesmo docêis.

Isso aí, Eugênio, tem que desabafar. Mas o pior é que você não deve ter percebido que não são todos "os repórteres e seus periódicos". O pessoal pensa muito em Folha, Estadão, Globo etc. Mas se você perguntar sobre alguns menos conhecidos - Gazeta do Povo e Revista Oeste, por exemplo - pode ter certeza que a resposta será muito melhor.

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No restante do artigo, embora continue ofendendo "os inocentes inúteis" que até sentem prazer em passar mentiras pelo grupo de zap da família (ele ainda está na fase "putinha"), Eugênio se alonga e procura se mostrar mais sóbrio. 

Isso inclui um histórico em que o jornalismo teria passado por três eras: na primeira ele era coisa de militantes; depois veio o modelo clássico de apuração profissional dos fatos, quando os jornais tinham a missão de "mediar o debate público" e "reinavam absolutos"; e então não veio exatamente a internet, mas a indústria do entretenimento (que é potencializada pela internet) que engoliu os veículos de comunicação.

Pura asneira, Eugênio. O jornalismo poderia se adaptar ao "entretenimento" e se colocar como o adulto na mesa que reúne a grande família da internet. O problema é que justamente aí, quando não poderia mais reinar absoluta e dependeria da anuência trazida pela credibilidade para continuar a mediar o debate público, a turma resolveu voltar à fase de militância escancarada.


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