A ideia foi se instalando com a rapidez das certezas fáceis, aquelas que servem de curinga nas conversas sociais e não exigem complicadas verificações. Diz assim: "O fenômeno Milei se explica por sua chegada aos mais jovens no TikTok". Uma definição nada sofisticada mas em linha com a tendência a apontar ao TikTok e as redes sociais como explicação de quase tudo o que ocorre (em geral de problemático) na cabeça das pessoas, e de apelar à tecnologia para vender modernidade na análise.
O texto acima inicia Trump e Milei: não foi o Facebook, tampouco é o TikTok (completo aqui), editorial de anteontem do Clarín, que narra uma história conhecida: os derrotados nas eleições primárias se espantaram ao compararem os números de seus candidatos com os de Milei (coisa de 162 mil acessos contra 20 milhões no TikTok) e concluíram que a culpa é das redes sociais.
Mas então o editorialista cita estudos científicos americanos que mostram outra coisa. Usuários foram experimentalmente expostos a um excesso de informação de políticos não apoiavam sem que isso alterasse suas crenças anteriores. E o texto termina assim:
Os autores do estudo escreveram: "As conclusões colocam em cheque as narrativas populares que culpam as câmaras de eco das redes sociais pelos problemas da democracia contemporânea". Os algoritmos de Facebook, Instagram e Tik Tok estão há anos na mira. Sua influência existe, mas hoje parece menos determinante do que se supunha. Para entender o voto em Trump e Milei se deve olhar menos o virtual e mais a realidade.
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Bolsonaro é nosso Trump ou Milei. Para nós, que durante anos votamos nos tucanos reclamando que eles aliviavam demais para o PT e o wokerismo (que ainda não tinha esse nome), havia alguma dúvida de que em algum momento apareceria um opositor de verdade a tudo aquilo e levaria nosso apoio?
Não havia. E no primeiro momento a internet serviu para confirmar que não éramos só nós e os próximos que pensávamos daquele modo, mas milhões de pessoas. As redes revelaram um mundo que existia, não o criaram. O jornalista brasileiro típico, fechado em seu mundinho, é que desconhecia essa realidade e imaginou que as pessoas foram convencidas a mudar por zaps hipnóticos ou algo similar.
É evidente que as redes também permitiram a promoção de outsiders que jamais teriam espaço na imprensa dominada pelos "progressistas". Mas, de novo, pessoas como Bozo, Milei e Trump são produtos que atendem a uma demanda, não feiticeiros que desencaminharam um povo bonzinho que acreditava nos jornais.
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É impossível que ao menos os mais inteligentes entre eles não saibam que a fantasia da má influência das redes é balela. Estes têm consciência de que o pensamento do pessoal não se alterará caso as redes sejam de algum modo censuradas. No entanto, insistirão no discurso de que elas são um mal em si e devem ser manietadas.
Os motivos são simples. Sem redes, haveria dificuldades para um novo outsider se lançar, reunir multidões em eventos ou confirmar o que milhões realmente pensam. E aí a nossa imprensa voltaria a falar em nome de todos sem que pudessem publicamente contestá-la. A sua luta contra as redes sociais e os Bozos da vida é realmente pela liberdade... aquela de mentir sem ser desmentida.
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Não que eles sejam maravilhosos, mas é triste comparar o atual jornalismo brasileiro com o de outros países. Exemplo disso é um artigo publicado ontem em La Nacion por Gustavo Noriega. Copio apenas o título e o primeiro parágrafo. Os "intelectuais" são os mesmos daqui e seu inimigo é previsível, mas o jornal... quanta diferença. O cara mete o pau nas figuras, lembrando tudo que sua turma fez e tentou fazer por lá.
Los intelectuales que se acordaron tarde de las "amenazas contra la democracia"
Un grupo de intelectuales irrumpió en la discusión pública con sus armas habituales: una carta abierta, una fuerte desconexión con la realidad y las certezas de su superioridad moral y de su inocencia absoluta respecto de la decadencia argentina. El documento en su título habla de "amenazas a la democracia" y está firmado por un grupo de personas muy respetables, muchas de las cuales admiro y, creo sinceramente, han hecho grandes aportes intelectuales a la conversación sobre distintos problemas de nuestro país. No esta vez.
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