Sentado no chão do quarto da minha vó com minha irmã, enquanto os trovões estouravam e os raios cortavam o céu da tarde que virou noite, eu ouvi a história pela primeira vez: num tempo muito antigo as pessoas se tornaram tão más que Deus enviou um dilúvio para castigá-las, só um homem se salvou construindo um enorme barco de madeira em que se abrigou com sua família e um casal de cada tipo de animal.
Fiquei imaginando o cheiro de madeira molhada misturado com o dos animais, como seria olhar para fora, só ver água por todos os lados e saber que não havia mais ninguém no mundo. Quantas crianças não sentiram algo semelhante ao ouvir o ferreiro contar como o deus fulano ensinou o primeiro forjador a trabalhar os metais ou coisa que o valha?
Nesse meu mundo também havia um semideus: Pelé. Escutei seu nome dentro de casa, vi os amigos com que meu pai tomava um cafezinho no bar discutirem suas façanhas, fui aos poucos montando a equação. Ele era um jogador de futebol, imparável, imarcável, criador de jogadas únicas e geniais, o melhor que já havia existido e viria a existir.
Com o tempo, evidentemente, Pelé foi migrando para o mundo real, mas sua origem nunca foi esquecida. Para mim - e acho que para a maioria dos que nasceram durante o seu reinado - ele nunca deixou de ser um personagem saído do reino da magia para viver entre os comuns mortais.
Até porque ele continuou sendo mágico entre nós. No mundo inteiro, não só no Brasil. Todos queriam conhecê-lo. Parou uma guerra. Virou estampa de selo em vários países. Poderíamos passar horas listando os exemplos do efeito que ele causava ao redor do planeta, de como o tratavam.
Quem tiver alguma dúvida sobre isso pode seguir a sugestão do último artigo do Augusto Nunes (que acho que está na Oeste e foi copiado nos comentários de ontem) e assistir ao documentário Pelé Eterno.
Augusto lamenta que não tenham feito fila nos cinemas para vê-lo. Mas na Inglaterra eu lembro que fizeram, em outros lugares o encantamento foi grande. Aqui nem tanto. Em parte porque, como dizem, a gente se acostuma com a beleza da própria esposa. Em parte porque, como as últimas eleições acabam de reiterar, uma grande parcela da nossa população tem uma inclinação irrefreável para a inveja e para o mal.
Com estes últimos, que se apegam a detalhes menores para tentar manchar a imagem deste grande brasileiro, só o dilúvio para resolver. Para os demais, Pelé sempre será esse ser mágico que tivemos a felicidade de ter como rei.
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