Encontrei por aí uma moça chamada Andrea Dip, da tal Agência Pública (na prática, outro braço do petismo), propagandeando que foi chamada de "filha do demônio" por ter publicado um artigo no UOL. Crucifixo e água benta na mão, vamos lá. Levemente resumido, seu texto está exorcizado aí abaixo.
O que explica o ainda forte apoio dos evangélicos a Bolsonaro?
"Ainda" ou "cada vez mais"? Bolsonaro teve 70% dos votos do segmento e, no mundo real, fora das pesquisas fajutadas, nada indica que isso baixou.
Como jornalista que investiga as conexões entre a igreja evangélica e a política desde 2015 e como alguém que passou mais de 20 anos observando parte desse universo por dentro, confesso que não me deixei levar pelo otimismo de pesquisas anteriores, que apontavam para um suposto abandono dessa importante base de apoio a Bolsonaro.
A Andrea nasceu em 82, há mais de 20 anos era adolescente. Deve ter ido a um culto com a tia crente e agora quer ganhar credibilidade fingindo experiência no setor.
Explico minha desconfiança. A aproximação dessa atual extrema-direita com o eleitorado evangélico foi se construindo lentamente. Porém, como ouvi de muitos pesquisadores quando estava escrevendo meu livro reportagem Em Nome de Quem? A Bancada Evangélica e Seu Projeto de Poder, deu uma guinada a partir de 2014, sobretudo na época em que o MEC propôs inserir discussões de gênero no Plano Nacional de Educação.
Veja se faz sentido chamar de "extrema" uma direita que, ao contrário de nossa esquerda, jamais tentou censurar ou prender alguém por opinião. Mas a Andrea aprendeu na faculdade que é assim, que podemos fazer? Quanto ao grande divisor de águas era só perguntar que a gente explicava: foi o Kit Gay. Naquele momento, a bancada evangélica no Congresso romperia oficialmente (e bastante midiaticamente) com a presidente Dilma Rousseff e daria início a uma verdadeira "cruzada antigênero" pelo país, em que deputados, senadores e líderes cristãos reforçariam o combate ao fantasma da "ideologia de gênero" — conceito que não é novo usado para designar algo que sequer existe, mas que ainda assim se fortaleceria bastante naquele momento no Brasil.
O incômodo dos petistas com a "ideologia de gênero" mostra que o rótulo é eficiente. E qual a possibilidade de, como pensam alguns, os evangélicos voltarem para a esquerda em caso de crise econômica ou derrota eleitoral? Creio que a chance é mínima. Como a Andrea reconhece, a briga foi por princípios e forte o bastante para não ter volta (a não ser que a esquerda mude radicalmente, o que não acontecerá).
A partir dessa narrativa ficcional, partidos e figuras políticas da extrema-direita religiosa brasileira se integraram a uma onda ultraconservadora que se erguia no mundo — e, claro, perceberam aí uma oportunidade de criar novas e poderosas alianças, sobretudo com líderes de megaigrejas.
Já falamos da "extrema-direita". Quanto ao "ficcional", acho que a Andrea está tão fechada no seu mundinho que imagina que as ideias demenciais que por lá circulam são a ordem natural das coisas. Nem o fato do Ocidente inteiro viver uma "onda ultraconservadora" a faz acordar. Vivendo na água, o peixe a trata como nós ao ar, um fundo invisível. O que se vendeu aos fiéis foi o combate santo a inimigos maiores: o comunismo, as feministas, os jornalistas, os professores, os ativistas, a esquerda em geral e, sobretudo, o PT, Lula e Dilma. E isso teve tudo a ver com o que viria a seguir: a reafirmação de um fascismo brasileiro, a glorificação de torturadores da ditadura militar, o impeachment de Dilma, a eleição de Bolsonaro, a emulação de símbolos nazistas.
Também teve o combate à oceânica roubalheira do partido-quadrilha. E, confirmando a teoria do peixe, a moça só pensa em jornalista ou professor como de esquerda. Do outro lado, como lhe ensinaram, ela inclui o chute na jumenta e a eleição do desafeto numa maléfica onda nazifascista que os bondosos esquerdistas precisam combater. Pelo país, a guerra santa que elegeu Bolsonaro aconteceu a partir de uma narrativa construída e reforçada a cada culto, a cada mensagem de WhatsApp no grupo de oração, a cada notícia falsa compartilhada.
Hehe, as fake news (dos outros) se tornaram o demônio da seita petista. Mas o resto está certo, foi mesmo através das redes. Bem ou mal, elas quebraram o poder da imprensa dominada pelos malandros da esquerda.
Não à toa, foi a campanha com maior apoio de denominações evangélicas da história recente do país. Se o plano de governo não era claro, as bandeiras do atual presidente eram: acabar com a "ideologia de gênero", com o comunismo, com a doutrinação marxista nas escolas, legitimar toda forma de fascismo, misoginia, LGBTfobia.
A gente poderia pedir para a gordinha oferecer alguns exemplos de legitimação do fascismo, mas deixa para lá. Com o topo, com as lideranças das megaigrejas, com a bancada evangélica no Congresso, as alianças eram feitas a partir de acordos milionários, privilégios, isenções, perdões de dívidas, projetos de leis, promessas de poder.
Como dizem do relógio quebrado, a Andrea acertou uma. E, apesar da fome, do desemprego, da péssima condução da pandemia, do desmonte das políticas sociais e ambientais, da destruição da Amazônia e da inabilidade de Bolsonaro com relação à política externa, os acordões foram mantidos, os alugueis foram pagos e o discurso antidireitos foi reforçado a cada crise. Teve até jejum nacional, dezenas de fotos com líderes evangélicos, presenças importantes do mundo gospel na tentativa fracassada de golpe no 7 de setembro de 2021.
"Golpe", hehe. Só o que fracassou dia 7 foi a passeata esquerdista, que não deve ter chegado a 1% do mais de milhão de brasileiros do outro lado. Como isso dói demais nessa gente, eles (a) desistiram de ir às ruas e (b) decretaram que aquilo não existiu. A maior manifestação de apoio a um governo de todos os tempos foi cancelada pelo jornalismo desonesto das agências e folhas da vida. Derrubar essas narrativas não é assim tão fácil. Elas estão sólidas. O bolsonarismo é real e passa por dentro das igrejas evangélicas.
Olha o relógio marcando o horário certo de novo. Só faltou a Andrea explicar que esta casa está sólida porque foi construída, como a da parábola, sobre a rocha, sobre fatos reais, sobre alicerces sólidos e verdadeiros.
Por isso a luta e a resistência que estão sendo criadas dentro desses espaços também são cada vez mais importantes. Não falo da tentativa de cooptação de um eleitorado, mas da luta que surge a partir de demandas legítimas das pessoas, da consciência, do questionamento tão desencorajado por líderes religiosos.
Aqui ela se refere aos "evangélicos pela democracia" e equivalentes, grupelhos que querem que os fiéis troquem seus princípios por promessas de melhorias materiais que adviriam da entrega do poder a criminosos recém saídos na cadeia. Mesmo que as promessas não fossem falsas, o sufocamento de valores espirituais exigido pela proposta colide frontalmente com uma visão minimamente religiosa.
Esse movimento, sim, deve ser visto com otimismo, incentivado. Não confundir desejo com realidade é fundamental para provocar transformações sociais e políticas.
Não se anime tanto, Andrea, essa sempre será a casa construída sobre a areia. Basta bater um vento com o do aborto na Colômbia para ela cair como a máscara de quem finge rezar na véspera da eleição. Ou se anime, como quiser. No fundo até é bom que vocês continuem se negando a ver a realidade e confundindo seu desejo com ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário